Os jogos digitais passam por um momento de grande questionamento em relação à sua natureza como entretenimento, software ou cultura lúdica entre outros, como se viu recentemente nos debates do Marco legal dos Games, no Senado Federal.
O que poucas pessoas talvez lembrem, é que os games são sistematicamente alvo de opiniões sem fundamento e já foram rechaçados pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, há 10 anos.
A declaração da então ministra se deu durante uma audiência pública sobre o Vale Cultura, espécie de ticket mensal para ser gasto com produtos e serviços culturais, que se realizou na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 19 de fevereiro de 2013.
Quando questionada, Marta proferiu que, em sua opinião, os jogos não são uma forma de expressão cultural da contemporaneidade. Segue, abaixo, a transcrição de gravação do evento:
Francisco Tupy [pesquisador e designer de games] – “O que o ecosistema que trabalha com jogos digitais, pesquisadores, desenvolvedores, professores etc pode esperar do Vale Cultura?”
Marta Suplicy – “No caso dos jogos digitais, o assunto ainda não foi aprofundado o suficiente, mas eu acho que eu seria contra. Eu não acho que jogos digitais sejam cultura […] Mas a portaria é flexível. Na hora em que vocês conseguirem apresentar alguma coisa que seja considerada arte ou cultura, eu acho que pode ser revisto. No momento, o que eu vejo é outro tipo de jogo. Encaminhem para o ministério as sugestões que vocês estão fazendo. Eu tenho certeza que talvez vocês consigam fazer alguma coisa cultural. Mas, por enquanto, o que nós temos acesso, não credencia o jogo como cultura. O que tem hoje na praça, que a gente conhece (eu posso também não conhecer tanto!) não é cultura; é entretenimento, pode desenvolver raciocínio, pode deixar a criança quieta, pode trazer lazer para o adulto, mas cultura não é! Boa vontade não existe, então, vocês vão ter que apresentar alguma coisa muito boa”.
A avaliação da então ministra foi proferida com visível sarcasmo, deixando evidente seu pleno desconhecimento sobre essa modalidade da expressão contemporânea da cultura digital.
No mesmo evento, Marta pareceu estar mais antenada às transformações que a cultura digital viria a promover no cotidiano da sociedade:
“Nós vivemos um momento de transição, em que vamos passar de algo de um século passado, que virou tão passado, como o século XX, para um século em que não temos ideia da rapidez com que tudo vai acontecer”, declarou.
Não foi o único susto no setor de desenvolvimento de jogos no país: em 2017, o governo propôs incluir os games na tributação do Condecine, Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, como uma forma de “taxa cultural”, ainda que essa mídia não fosse considerada uma expressão cultural.
Um comunicado da Ancine afirmava à reportagem do Uol, de 2017, que “a importância do setor de jogos, assim como os demais setores da indústria audiovisual, não se resume ao tamanho de sua economia, ainda que esta seja forte indicador de sua capacidade de geração de emprego e renda”, e completa: “O jogo eletrônico é também um campo rico em produção cultural.”
Após 10 anos de luta, ainda há muito o que fazer em favor dessa modalidade cultural da Economia Criativa no país. Em tempo: um ano depois, após a repercussão negativa de suas colocações, a ainda ministra fez questão de frisar, na abertura da Campus Party em São Paulo, que “Game [também] é Cultura!“.
Imagem: fotomontagem com imagem de Marta Suplicy [acervo pessoal] e arte de Super Mario, do site The Onion
Fonte: UCEG