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A SEGA no paredão: a CPI da violência nos jogos de 1993

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Quem pensa que a discussão sobre violência nos videogames é recente se engana.  Em 1976, um fliperama chamado Death Race já causava polêmica por seu conteúdo. Porém, nada comparado com o que sofreria a SEGA em 1993. Nesse ano, a fabricante do Mega Drive chegou a ser ouvida numa CPI do Congresso Americano sobre os jogos violentos. Mortal Kombat Night Trap (SEGA CD) foram os principais bodes expiatórios na época. Porém, essa história é bem mais longa.

Violência em pixels

Propaganda bonita de Death Race (Exidy, 1976)

O primeiro jogo a causar controvérsia e ser acusado de corromper os menores foi Death Race. O jogo era bem simplório (o que mais se pode esperar de algo feito em 1976?), mas o tema dele estava longe de sê-lo. Sua função, aqui, é  guiar um carro e atropelar as pessoas que aparecem na tela. Cada um que é derrubado vira um túmulo, que ocupa espaço na tela. O desafio é continuar matando pedestres sem acertar as sepulturas, pois elas causam o Game Over. Assustador, não? Pode ser considerado como um antecessor espiritual de Carmageddon, jogo para PC que causou muita polêmica no Brasil em 1997 e tem sua comercialização proibida no país até os dias de hoje.

Essas cruzes aí são túmulos

Como essa era uma indústria nova, outros títulos com temas controversos foram surgindo. O Atari 2600(aquele mesmo) chegou a ter até games de sexo. Um deles, Custer’s Revenge, colocava o jogador na pele de um homem branco que tinha de desviar das flechas para conseguir estuprar uma índia nua amarrada num tronco. Outro título do gênero chama-se X-Man, mas não tem nada a ver com a turma de mutantes guiada pelo Professor Xavier (esse chegou a causar constrangimentos em alguns famílias por aqui, nos tempos de cartuchos com etiquetas genéricas que mostravam apenas o nome do jogo). É claro que esse tipo de entretenimento causou muita discussão. Afinal, videogames eram brinquedos de criança na época. E esse é apontado como um dos muitos motivos que levaram ao crash de 1983, que praticamente acabou com a indústria americana de videogames.

Custer’s Revenge (Mystique, 1982)

Em 1985, a Nintendo teve de suar a camisa para convencer os consumidores a comprar consoles novamente. Para apaziguar os ânimos das famílias conservadoras, um rigoroso processo de licenciamento de jogos foi introduzido pela empresa japonesa. Nenhum título de NES podia ter referência alguma a sangue, violência contra inocentes, nudismo, deuses, demônios, símbolos ocultistas, dentre outros temas considerados como pouco saudáveis para as crianças. Por conta disso, o videogame foi sucesso absoluto e chegou a ter mais de 92% do mercado (o Master System, da concorrente SEGA, só obteve sucesso no Brasil, na Inglaterra e em alguns poucos países europeus).

Porém, a situação mudaria com a chegada do Sega Genesis (Mega Drive) às lojas americanas.

A SEGA e sua política liberal

Em 1989, o mundo dos videogames passava por uma situação bem diferente. A SEGA sabia que se seguisse o mesmo exemplo da Nintendo, não conseguiria derrotá-los no campo deles Por isso, investiram em um novo público: adolescentes e jovens adultos que cresceram com o NES, mas consideravam seus jogos infantis demais agora que estavam mais velhos.

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Hokuto no Ken (versão japonesa de Last Battle)

Por conta disso, adotaram uma política bem menos restritiva. Embora a SEGA censurasse seus próprios jogos (Last Battle, por exemplo, perdeu todas as execuções sangrentas que existiam em sua versão japonesa), ela permitia que produtoras independentes lançassem títulos com temas mais maduros desde que colocassem um aviso na embalagem. Duas delas, a Electronic Arts e a RazorSoft, resolveram se utilizar dessa prerrogativa.

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Olha a mensagem na caixa de Sword of Sodan

EA, conhecida na época por seus jogos para computadores, converteu The Immortal e Sword of Sodan, ambos originados do Commodore Amiga, para o Mega Drive. Ambos os jogos possuíam personagens bem maiores e mais detalhados do que aquilo que todos estavam acostumados na geração 8 bits. Consequentemente, as execuções sangrentas ficavam bem mais realistas do que qualquer coisa que já havia sido feito antes para algum console.

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Stormlord (Razorsoft, 1990) – Na versão Amiga, a loira fica 100% nua

Razorsoft chegou a sofrer censura em seu primeiro jogo, StormLord, lançado ainda em 1990. As fadas do jogo, que estavam completamente nuas na versão para Commodore Amiga, tiveram de ganhar um biquíni no port para Mega Drive. Os próximos jogos deles, porém, sairiam sem cortes: TechnoCopprotagoniza um policial do futuro (qualquer semelhança com Robocop é mera coincidência) que deve perseguir e capturar bandidos. O detalhe, nesse jogo, são as mortes sangrentas dos meliantes e a possibilidade de acertar inocentes. Slaughter Sport, jogo horrível e nojento de luta, ia pelo mesmo princípio.

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Road Rash (Electronic Arts, 1991)

A existência desses jogos, além de outros como Road Rash, caracterizava o Mega Drive como o console de escolha para o jogador mais maduro. As propagandas da SEGA nos Estados Unidos enfatizavam bastante o fato de que seu console não era para “bebês”. Por conta disso, qualquer moleque na faixa dos 10 anos considerava o Genesis como a coisa mais cool do mundo. A Nintendo, que continuava investindo em seus Marios e Zeldas, não arredaria pé, mesmo assim, de sua política familiar. E faria de tudo para colocar a SEGA em maus lençóis.

Mortal Kombat e o início da polêmica

O problema começou em 1992. Um novo jogo de luta chamado Mortal Kombat chegava às casas de fliperamas. Com gráficos digitalizados realistas para os padrões da época, o título alcançou sucesso absoluto. A ação é bem sangrenta: cada golpe desferido no adversário faz com que jorrem litros de sangue de seu corpo. E a coisa não para por aí: ao derrotar o oponente, aparece a mensagem “Finish Him” (Acabe com ele). Caso o jogador saiba uma combinação específica de comandos, pode aplicar uma execução bastante cruel, conhecida como “Fatality”.

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Mortal Kombat, versão Arcade

Acclaim conseguiu os direitos para a publicação das versões caseiras de Mortal Kombat, tendo sido cortejada tanto pela SEGA quanto pela Nintendo para que lançasse a melhor delas para o seu console. As projeções de vendas chegavam a milhões de unidades vendidas. Era garantia de lucro e sucesso para qualquer fabricante que tivesse o jogo em sua plataforma.

Porém, a produtora do SNES não ia desistir tão fácil assim de sua política conservadora. Ainda que os representantes da Acclaim argumentassem que tal exigência era ridícula e que a versão para o Mega Drive seria lançada sem cortes, a Nintendo não voltou atrás. Por conta disso, Mortal Kombat saiu para o Super Nintendo sem sangue e com os fatalities censurados.

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Mortal Kombat (Acclaim, 1993)

A SEGA, assim, ganhava um presente e tanto de sua rival. O port para Mega Drive de Mortal Kombat era relativamente fraco: os gráficos e os sons estavam abaixo da qualidade esperada. Porém, ele tinha o que interessava: sangue e execuções. Todo mundo queria essa versão. A coisa chegou num extremo tão grande que a proporção de vendas entre ambos os consoles de 16 bits chegou a 4 por 1 em vantagem para o console da SEGA. Ou seja, para cada jogo vendido para o SNES, 4 eram vendidos para o Mega Drive.

Fatalities do Mortal Kombat (Mega Drive) sem e com o código do sangue (A, B, A, C, A, C, C)

A controvérsia chega ao Congresso americano

Em Washington, 19 horas

Esse sucesso acabaria por chamar a atenção dos políticos em Washington. O chefe de gabinete (Bill Andersen) do Senador Joseph Libermann, de New York, ficou curioso em saber do que esse jogo se tratava, pois seu filho pequeno não parava de falar do tal Mortal Kombat. Ficou horrorizado e logo comentou com o político que o representava. Com isso, a controvérsia começou a se espalhar.

Senador Joseph Libermann (Democrata)

A Nintendo, que nunca foi boba, “colocou pilha”. Ela editou um vídeo com as cenas mais polêmicas de Mortal Kombat e Night Trap (SEGA CD) e enviou para cada deputado e senador do Congresso americano, além de órgãos de imprensa como TVs e jornais. Do dia pra noite, todo o país estava assombrado.

Pastores pregavam em suas igrejas contra os videogames, psicólogos iam à TV dizer que o conteúdo violento dos jogos podia influenciar as crianças negativamente, políticos conservadores gritavam e prometiam acabar com a “pouca vergonha”. A bola de neve cresceu a tal ponto que o Senado americano instaurou a “CPI do videogame”, com a SEGA como principal acusada.

A audiência, marcada para o dia 9 de dezembro de 1993, recebeu cobertura de toda a imprensa. Nela, o Senador chegou a propor que todos os videogames fossem proibidos no país (vale lembrar que tal medida, por mais ridícula que aparente ser, chegou a ser tomada na China e, de forma mais limitada, na Coreia do Sul). As ações da SEGA em Wall Street despencaram.

Night Trap (SEGA, 1993)

Quem sofreu mais, porém, foram os produtores de Night Trap. O jogo de vídeo interativo (FMV) te colocava na posição de um segurança que devia vigiar uma casa de praia e preparar armadilhas contra vampiros que planejavam atacar suas ocupantes, mulheres adolescentes. Como a imprensa chegou a afirmar que o objetivo do jogo era investir contra essas garotas, a maioria das lojas devolveu seus estoques para a SEGA. Como apenas 50 mil cópias tinham sido vendidas até então, um prejuízo significativo foi gerado e colocou mais uma pedra no caminho do SEGA CD, que já enfrentava dificuldades nas lojas.

Porém, os executivos não ficaram parados. No mesmo dia em que seriam ouvidos no Congresso, apresentaram, em uma entrevista coletiva com a presença de representantes de toda a indústria, um sistema de classificação indicativa para os jogos.  O VGRC (Videogames Rating Council) atribuía 3 faixas de idade recomendadas: GA (General Audience, ou “Livre”), MA-13 (para maiores de 13 anos) e MA-17(inapropriado para menores de idade).

Ele foi o percursor do atual ESRB e de sistemas semelhantes como o PEGI europeu e a classificação do Ministério da Justiça aqui no Brasil. Com essa atitude, a SEGA livraria um pouco a sua cara no Congresso. No fim, a própria Nintendo acabaria tendo sua imagem manchada, após uma discussão acalorada entre seu presidente, Howard Lincoln com Dan White, vice da SEGA, na sala de audiências do Senado. Ninguém sairia ileso. Porém, como ambas as empresas se comprometeram a tomar atitudes e já representavam uma indústria significantemente grande, já não havia mais o risco da proibição completa dos videogames nos EUA.

Como consequência desse evento, as lojas foram obrigadas a respeitar a classificação indicativa e não podiam mais vender jogos não apropriados para crianças com idade menor que a recomendada. Isso acabou favorecendo a liberdade de expressão dentro da indústria, pois mais jogos com conteúdo adulto puderam ser lançados. A própria Nintendo cairia em si e lançaria Mortal Kombat II sem restrições no ano seguinte, 1994.

Porém, isso não acabaria, de vez, com a polêmica. Toda vez que algum maníaco ataca inocentes, um dos primeiros motivos que a imprensa busca para tal crime são os jogos violentos. Vimos isso em Columbine, no caso do atirador do cinema aqui no Brasil e, mais recentemente, o psicopata do colégio em Realengo (apesar de esse último caso, em específico, não ter absolutamente nada a ver com games). Ou seja, a sociedade ainda está longe de se conscientizar sobre o assunto e segue dando ouvidos aos alarmistas de plantão.

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