Escrito por José “Zemo” Yoshitake
Ano passado, estive na BGS junto a Jesus para cobrir o evento, dando enfoque especial a alguns jogos mainstream que nos agradavam, como Gwent, Cuphead e For Honor, e principalmente para documentar a presença indie no evento. Neste ano, estive a maior parte do tempo trabalhando no estande da WarpZone, e pouco consegui passear pelas vielas mais estreitas da área indie, onde novamente se concentravam os sabores mais atraentes ao meu paladar.
Mesmo com pouco tempo para flanar por entre os estandes apertados da vanguarda do desenvolvimento independente de jogos nacionais, consegui dar algumas escapadas para testar alguns joguinhos e conversar com expositores. Isso pode parecer pouca coisa, mas durante o tempo que eu levaria apenas para conseguir chegar até a fila de algum dos jogos badalados, ditos “AAA”, somado à espera desgastante na fila propriamente dita, foi possível desfrutar de muito mais atrações no espaço dedicado aos “pequenos”. E o melhor: sem acotovelamento, nem alto-falantes com gente falando asneira a 99 decibéis.
Mas vamos ao que interessa! Dos jogos indies que estavam presentes na feira, destaco os seguintes:
John, the Zombie (gamenacional.com.br)
Um jogo de mundo aberto ao estilo GTA em que você controla um zumbi. A premissa já fala bastante por si só, mas John não é apenas um clone. Neste jogo você deve comer cérebros para assimilar as memórias das vítimas, e com isso aprender as habilidades da vítima, ajudando em sua busca pela cura. Infelizmente, não tive tempo de testar, mas deu para ver que os desenvolvedores enfiaram muitas coisas legais para se fazer no jogo, e os gráficos não deixam a desejar, ambientando de forma muito variada – e cômica – a trágica busca de John pela cura da zumbizisse (ou a caça aos cérebros por pura diversão). E vejo nele referência a Fome Animal, o melhor filme de todos os tempos, o que por si só já consagra o game.
Necrosphere (store.steampowered.com/app/607400/Necrosphere/)
Em pleno século XXI, com os jogos de videogame cada vez mais avançados, uma tendência que se consolidou no design dos consoles caseiros foi a utilização nos controles de pelo menos 10 botões de comando mais três direcionais: dois analógicos e um digital. Com uma das concepções mais geniais dos últimos tempos em termos de jogabilidade, o designer Caio Lopes da Cat Nigiri criou um action puzzle controlado apenas por dois botões, contrariando uma das tolices mais persistentes no mercado. Ao contrário de limitar a experiência de jogo, a falta de recursos extrai do jogador sua inteligência, sua percepção e principalmente sua coordenação motora, propondo sequências de saltos quase impossíveis e que chegam a lembrar Super Meat Boy, embora tragam muito mais prazer na superação dos desafios e muito menos sofrimento nas derrotas. Para completar, o design do jogo é tão elegante que chega ao ponto de apresentar o jogo inteiro desde o início diante do jogador: não há fases, basta o jogador conseguir compreender e executar o balé de movimentos para a esquerda e para a direita sem perder o rebolado que mais cedo ou mais tarde completará a missão. Na minha opinião, um jogo injustiçado ao não vencer nenhuma das categorias das quais foi finalista no BIG, mas que certamente alcançará êxito comercial seja em qual plataforma ele aporte.
Madcap Castle (http://store.steampowered.com/app/684230/Madcap_Castle/)
Diel Mormac vem se destacando em Game Jams nacionais e internacionais, e tem um plano astuto: ele pega os jogos que concebe na febre do rato que são tais eventos e os evolui, expande e lhes dá aquele polimento final para publicação. Madcap Castle é o primeiro de muitos games, segundo ele, que serão lançados através deste processo. Trata-se de um action puzzle um tanto descabelante que reúne mecânicas e principalmente maldades de diversos jogos do gênero e de outros em uma fabulosa homenagem ao primeiro portátil com troca de cartuchos da Nintendo, o Game Boy. Embora a definição da imagem e alguns efeitos de luz aqui e ali ultrapassem as capacidades do tijolão branco, ele fez questão de limitar a paleta de cores e os comandos ao que estava disponível para os cartuchinhos na época. O que mais me chamou atenção, porém – para além do design de fases, jogabilidade e do ótimo desafio –, foi o uso de um sequenciador rodando no próprio Game Boy para a composição da trilha e dos efeitos sonoros pelo jovem Rubens Stephan, promissor músico dedicado aos games. Não bastando todos estes atrativos, quem comprou o jogo em pré-venda na BGS levou para casa um pôster, uma cartela de adesivos que dá dó destacar e usar e uma caixinha lindíssima que homenageia as caixas clássicas de Game Boy, com a cereja do bolo sendo o nome MAGE BOY na lateral esquerda, aproveitando o fato do personagem que se lasca nas mil e uma armadilhas do jogo ser um mago e “mage” ser anagrama de “game”. Must have.
Esquadrão 51 (https://www.loomiarts.com/esquadrao-51)
Talvez um dos projetos mais aguardados por mim. Um jogo que une jogo de navinha à estética dos filmes preto e branco da primeira metade do século XX, o que inclui uma narração clássica e diálogos via rádio entre o piloto, a base de comando e os demais aviões do Esquadrão 51 e tudo gravado por atores profissionais. O jogo se baseia na chegada de visitantes do espaço sideral que começam a dominar o planeta ludibriando as autoridades terrestres através de diplomacia de fachada enquanto escravizam seres humanos para saquearem os recursos do Planeta Terra. O papel do jogador é vestir o fardamento do Esquadrão 51 e destruir a frota alienígena contra tudo e contra todos, inclusive contra a opinião pública, que os considera terroristas. Nesta BGS, Márcio Rosa, o exército de um homem só que toca o design e a implementação do jogo, levou uma versão que continha algo inédito – ao menos para mim – em jogos de navinha: uma fase com multiplayer baseado em naves extremamente assimétricas, que clama por uma cooperação entre os jogadores para o sucesso contra as forças alienígenas. O jogo faz incontáveis referências a uma era em que o cinema engatinhava em termos de efeitos especiais, dando a ilusão de que estamos diante de modelos físicos das naves e discos voadores pendurados por cordinhas, mas tudo foi implementado no Blender de forma magistral. Vale a pena acompanhar este jogo que está previsto para ser lançado em algum quadrante espaço-temporal de 2018.
Game of Kings (http://www.gameofkings.com/)
Um dos gêneros que vêm ganhando novos e interessantes títulos é o dos jogos de cartas. Game of Kings é um excelente exemplo, mas seus criadores não deixam barato, e partem de uma motivação assaz ambiciosa: curtidores extremos de card games que são, decidiram tomar todas as mecânicas e escolhas que julgam ruins nos jogos que adoram, como Magic e Hearthstone, e melhorá-las, tentando desenvolver um game que reduz ao mínimo a influência da sorte ao mesmo tempo em que procura maximizar o valor da estratégia do jogador no curso das partidas. Não é preciso enumerar detalhadamente toda a abordagem aplicada ao jogo, basta dizer que dos cinco baralhos já prontos, é possível mesclar cartas de quaisquer facções para projetar estratégias, levando-se em conta que cada uma delas possui vantagens e desvantagens em relação às demais, em prol do balanceamento. E por falar nisto, um dos trunfos do jogo foi primeiro balancear as 625 cartas para somente depois atribuir-lhes raridade, eliminando qualquer possibilidade de carta superpoderosa no processo. Além disso, sempre com o equilíbrio em foco, é possível adquirir todos os reis das facções – as cartas mais importantes – através apenas da campanha solo presente no jogo, descartando aquela velha história de que quem paga mais perde menos. Se você curte card games, fique de olhos bem abertos para Game of Kings, que também não deixa nada a desejar nas ilustrações das cartas, num trabalho colossal realizado por seis artistas ao longo destes seis anos de desenvolvimento, portanto, se ficou curioso, baixe agora mesmo e teste o jogo para ver com seus próprios olhos. Ah, e o jogo permite embates entre jogadores de diferentes plataformas!