1989 foi o ano do renascimento do mercado brasileiro de videogames. Depois de 6 anos, finalmente os velhos Ataris passavam o bastão para os consoles da nova geração. A Tec Toy, representante da SEGA no Brasil, tinha uma árdua missão pela frente: derrotar várias empresas diferentes, incluindo gigantes como a CCE e a Gradiente, com seu Phantom System.
Master System
Após 2 longos anos de negociação, finalmente a parceria da SEGA com a Tec Toy se concretizava no mundo dos videogames. Em 4 de setembro de 1989, o Master System chegava às lojas de todo o país. Sua data de lançamento foi providencial, pois antecedia tanto o Dia das Crianças (12 de outubro) quanto o Natal. Será que o console emplacaria no Brasil e derrotaria os milhares de clones de NES que inundavam o mercado?
A introdução da plataforma de 8 bits da SEGA foi muito estudada. A equipe de marketing da Tec Toy analisou profundamente todos os elementos que fizeram a Nintendo vencer a desconfiança dos americanos e transformar seu console em um fenômeno de vendas por lá 4 anos antes.
Nunca a divulgação de um videogame no Brasil havia sido tão ostensiva. Comerciais de altíssima qualidade do console invadiam todos os canais de TV. Em pouco tempo, o Master System já se tornara no principal objeto de desejo de toda a pirralhada espalhada pelo país.
O primeiro desafio da Tec Toy era enfrentar uma concorrente de peso: a Gradiente. O seu clone de NES, o Phantom System, chegou às lojas no mesmo mês que o aparelho da Tec Toy. E a empresa, famosa por seus aparelhos de som, contra-atacaria com a mesma intensidade.
Comercial do Phantom System – A Gradiente não estava de brincadeira
Por não ter de arcar com os royalties e outros custos relacionados a uma parceria oficial, o videogame da Gradiente era significativamente mais barato. No entanto, o processo de venda se encerrava no momento em que o console era vendido. Afinal, cartuchos de NES tinham vários fabricantes e formatos diferentes. Não era fácil encontrar os melhores jogos nas lojas oficiais e problemas envolvendo a incompatibilidade entre os padrões de 60 e 72 pinos eram comuns. Era um mercado cinza e, em sua maior parte, não-oficial.
A Tec Toy tinha um grande trunfo na mão: o contrato de distribuição de todos os jogos SEGA no país. Quem comprasse o Master System não ficaria na mão. Na mesma loja, era possível adquirir, também, todos os controles, acessórios e, claro, jogos oficiais. E, ao contrário das concorrentes, que enfiavam títulos de qualidade duvidosa como Ghostbusters II e Tiger Heli goela abaixo da criançada, o catálogo dela estava recheado de clássicos de primeira grandeza.
Não era pra menos: quem ajudou os executivos da Tec Toy a conceber a linha de cartuchos que seria lançada em conjunto com o Master System no Brasil foi ninguém mais, ninguém menos que o fundador da SEGA, David Rosen. Em meio a uma rápida estadia no país, ele foi convidado para um almoço, informal, com o alto escalão da distribuidora nacional. E colocou-se à disposição dos brasileiros por 30 minutos, que se transformariam em 3 horas, discutindo o que lançar ou não por aqui.
E várias outras técnicas que a Nintendo of America utilizou nos EUA foram emuladas, com maestria, pela Tec Toy para fidelizar seus clientes. O atendimento telefônico foi uma delas. Numa época em que uma linha telefônica chegava a US$ 5 mil e que todo o sistema nacional de telecomunicações era analógico, a empresa revolucionou a sua relação com o público com a Hot Line. Ao custo de uma simples ligação, o jogador podia tirar dúvidas a respeito de jogos, acessórios ou resolver problemas com o console.
O Nintendo Fun Club também ganharia uma versão brazuca com o selo SEGA. O Master Clube dava direito a uma carteirinha, ao recebimento de uma newsletter mensal com dicas e notícias sobre os lançamentos e a descontos na aquisição de novos jogos e produtos. Era a única fonte de informação da galera até o lançamento das primeiras revistas de games nacionais, no início de 1991.
Mas a Tec Toy não parava por aí. Seu time de marketing fez uma extensiva pesquisa de comportamento com seu público-alvo para saber como as crianças se comportavam em relação ao videogame, quem decidia as compras, etc. Chegou-se a conclusão de que os meninos que exerciam ascendência sobre os outros (o “schoolyard gossip”) normalmente eram aqueles que sabiam mais a respeito dos jogos, descobriam dicas e terminavam-nos antes que seus colegas. E era necessário alimentá-los com essas informações vitais.
Por conta disso, eles não se limitavam ao Master Clube e ao Hot Line. Fizeram outro acordo com a poderosa Rede Globo: progametes de 1 minuto que passavam logo após a Sessão Aventura (atual Sessão da Tarde). O Master Dicas, além de divulgar o console e os jogos no canal de maior audiência do país, mostrava soluções para os jogos, truques e passwords. Algumas pessoas chegavam até a gravá-los, diariamente, em fitas VHS para consultar depois.
Master Dicas: apresentado por uma versão adolescente do Rodrigo Faro
Em 1990, o Master System já era o líder absoluto do mercado nacional, com uma fatia de mais de 70%.Enquanto seus rivais lutavam com adaptadores, cartuchos piratas, problemas de compatibilidade e o fato de não serem representantes oficiais da Nintendo, a Tec Toy voava em um céu de brigadeiro. Porém, não demoraria muito para que eles também começassem a ter problema com os discípulos de Jack Sparrow.
O Mega Drive chega ao Brasil
A Tec Toy, por meio de sua competente equipe de marketing, conseguiu fustigar uma mania por videogames no Brasil em 1989. No entanto, o caráter não-oficial de suas concorrentes acabou incentivando um vasto mercado ilegal, que logo viria a atingi-la.
Nessa época, dois fenômenos colaborariam com a entrada dos “Mega Drives japoneses” no território brasileiro: os dekasegis e os sacoleiros de Ciudad del Este.
Em meados dos anos 80, o Japão vivia seu momento de maior prosperidade. O aumento no nível de escolaridade e o alto nível de empregabilidade da população fez com que as indústrias não conseguissem mais ninguém para ocupar as vagas de trabalhadores braçais. Era necessário encontrar alguma solução para solucionar o problema das funções 3K: kitsui (difícil), kitanai (sujo) e kiken (perigoso).
Logo, o Ministro do Interior veio com a ideia: importar descendentes de japoneses que emigraram para o Brasil e o Peru no começo do século XX para fazer esses trabalhos. Como a América Latina passava pela sua maior crise econômica em mais de 50 anos, mesmo um trabalho ruim, para os padrões japoneses, pagava melhor que empregos de nível superior no Terceiro Mundo.
Com isso, milhares de nipo-brasileiros imigraram para o Japão. Como boa parte deles eram casados e tinham que deixar seus filhos pequenos no Brasil, acabavam por enviar presentes como brinquedos e videogames japoneses para cá além do dinheiro que ajudava no sustento de seus familiares que ficavam por aqui.
Por outro lado, a usina hidrelétrica de Itaipu, localizada na fronteira entre Brasil e Paraguai, aumentou consideravelmente o fluxo de pessoas para essa região. Aproveitando-se do problema gerado pelo excessivo protecionismo do nosso governo com relação a produtos eletrônicos, os paraguaios, com suas leis bem mais brandas, começaram a vender os produtos que os brasileiros queriam comprar por preços bem mais baixos. Ciudad del Este acabou se tornando em um grande pólo de atração dos “sacoleiros”: pessoas que iam mensalmente até lá comprar brinquedos, eletrônicos e outras quinquilharias para revender no comércio ambulantes das grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
Como o comércio, nessa cidade paraguaia, é dominado pelos chineses, a maior parte dos produtos ali vendidos vem de lá. Além dos cartuchinhos piratas de Famicom (NES 60 pinos), vários Mega Drives asiáticos, vindos diretamente de Hong Kong, passaram a inundar o Brasil.
Por conta desse fenômeno, o console de 16 bits da SEGA já era bastante popular por aqui mesmo antesde a Tec Toy lançá-lo oficialmente, no final de novembro de 1990.
A empresa tomou todas as medidas legais possíveis para combater o contrabando e a pirataria, mas nunca obteve o mesmo sucesso, nesse campo, que tinha com o Master System. A adoção do padrão americano (Sega Genesis) para o console nacional foi uma delas.
O Mega Drive nacional era caro, praticamente um produto de luxo. No entanto, isso não impediu que ele se tornasse um fenômeno de vendas. A Tec Toy manteve todas as suas estratégias de marketing que deram certo com o Master System.
Os nomes de seus produtos precisaram ser mudados, é verdade. O Master
Dicas virou SEGA Dicas. Enquanto isso, o Mega ganhou seu próprio clube, que funcionava de maneira bem similar ao do Master System: o Mega Club. Assim como acontecia com seu irmão mais velho, os sócios, após enviar um formulário que acompanhava cada console vendido para a Tec Toy via Correios, passavam a receber um jornalzinho bimestral com todos os lançamentos e dicas para o console.
As revistas de videogame
Os fãs do Mega Drive não ficavam restritos a ele: agora, eles tinham outra alternativa para buscar informações – as revistas nacionais de videogame. Ainda em dezembro de 1990, a revista A Semana em Ação (era uma publicação semanal que falava sobre filmes, música, TV e outros assuntos de interesse do público jovem) criou um suplemento voltado para os videogames chamado Ação Games. Esse especial fez tanto sucesso que, em março de 1991, ganhou uma segunda edição.
Naquele mesmo mês, eles já ganhariam uma concorrente: a Videogame. A Sigla Editora, responsável por uma das principais revistas de filmes do país, a Video News, resolveu entrar também nesse filão. E nem começou com um especial e, sim, como uma publicação mensal. Sua proposta editorial mais profissional, sem o uso de cartoons ou de uma linguagem extremamente adolescente, como faziam as concorrentes, fez com que ela ganhasse um público bastante fiel.
Em maio de 1991, o suplemento Ação Games também se tornaria uma revista mensal. Assim como a Videogame, ambas abordavam todos os consoles existentes na época e até falavam de alguns jogos de Arcade ou computadores. No entanto, era possível se especializar ainda mais.
A SuperGame, revista voltada apenas aos videogames da SEGA, foi lançada em julho de 1991. Tendo como editor-chefe Matthew Shirts, americano naturalizado e um dos principais nomes do mercado editorial brasileiro (atualmente, comanda a nossa versão da National Geographic), ela foi sucesso desde o primeiro dia. Em vez das 6 ou 8 páginas que um proprietário do Master System ou do Mega Drive encontraria sobre seus consoles nas concorrentes, nessa, ele tinha metade da revista falando somente de jogos para o seu videogame. E não parava por aí: havia também uma história em quadrinhos (Billy Joy e seus Sticks) e reportagens especiais sobre as manias da época (na nº1, falava-se sobre meninos que usavam brincos e a desconfiança de seus pais a respeito disso).
A Editora Nova Cultural, responsável pela publicação, criaria uma revista
especializada em consoles da Nintendo (a GamePower) no ano seguinte. E, em 1994, ambas se uniriam e formariam a SuperGamePower, com 82 páginas e repleta de anunciantes. Era o informativo de games mais vendido do país na década de 90, com tiragens mensais que batiam as 50 mil cópias.
E a Tec Toy não parou de investir em novidades: em 1992, realizou uma parceria com Gugu Liberato e o SBT para a realização de um gameshow baseado em seus produtos. O PlayGame não era muito diferente das gincanas de um Show da Xuxa ou do Passa ou Repassa. No entanto, elas eram todas baseadas em videogames (“pegue 50 argolas no Sonic the Hedgehog em 1 minuto”). Na prova final, o participante literalmente entrava dentro do jogo. Os prêmios? Mega Drives, Master Systems, cartuchos e acessórios. Cá entre nós, bem melhor que os Playstations do Bom Dia & Cia, né?
Além disso, eles começaram a pesquisar possibilidades de adaptar os jogos ao mercado brasileiro. No artigo É DO BRASIL! – Os jogos de Mega feitos no país, entro em maiores detalhes sobre como a Tec Toy traduziu, adaptou e chegou até a criar jogos com personagens bem nacionais (ou quase, pois o Chapolim é mexicano). Porém, só para mostrar como as relações com a SEGA estavam boas, a ideia original de Ayrton Senna’s Super Monaco GP II partiu dos escritórios da empresa.
Ayrton Senna
O piloto brasileiro, que dispensa apresentações, era unaminidade nacional em 1991. Na época, todo mundo acordava cedo para assistir às corridas da Fórmula 1. Não era incomum que as transmissões do evento, feitas pela Rede Globo, beirassem os 40 pontos de audiência (hoje em dia, raramente chega a 10). Em tempos de crise, com a inflação rondando os 40% mensais, moeda desvalorizada e o futebol brasileiro vivendo uma seca de títulos que remontava o tricampeonato de 1970, Ayrton Senna era o único motivo que muitos tinham para ser patriotas e continuarem acreditando no país.
A Tec Toy conversou com a SEGA e com o piloto e ambos ficaram bastante entusiasmados com a ideia. O jogo prometia muito. Em março de 1991, em uma de suas visitas ao Japão (ele era garoto-propaganda da Honda naqueles tempos), Senna “deu uma passadinha” na sede da empresa de games. Seu status de ídolo era tão grande que seu deslocamento até o prédio já foi tumultuado. Fãs nipônicas corriam para ver o mito. Quando ele chegou lá, todos os funcionários da SEGA estavam de pé na empresa para recepcioná-lo.
Foram-lhe apresentadas as instalações e as versões, tanto para Arcade como para Mega Drive, de Super Monaco GP. Em um cockpit de Fórmula 3 adaptado, Senna foi colocado para competir contra um garoto japonês que era especialista no jogo. Muito respeitosamente, o menino esperou pelo piloto brasileiro, que tinha tido problemas para “pegar o jeito” do jogo e se complicado na largada. Pra quê? A partir daquele momento, Ayrton deu uma de G.Ceará e sumiu da vista. Mesmo no videogame, ele mostrava que não era campeão mundial de Fórmula 1 à toa (e naquela época, era bem mais difícil do que hoje: seus rivais eram lendas como Alain Prost, Nigel Mansell e Nelson Piquet).
Senna não gostou de algumas coisas no jogo. Ele “ficou em cima” dos programadores da SEGA por horas até que acertassem o problema das zebras. Em Super Monaco GP, quando o carro saísse para cima delas, ele perdia velocidade. Segundo o piloto brasileiro, isso era irreal. Elas serviam mais como “apoios” para fazer as curvas. Apenas se passassem dos limites que acabavam penalizados com a perda do desempenho. Isso tudo foi implantado na sequência.
Porém, o jogo ficou aquém do esperado. Inicialmente, estava previsto que Ayrton Senna desse dicas específicas para cada circuito, em voz falada, para o jogador. Tecnologia existia para isso, pois a própria SEGA estava preparando um jogo de futebol americano, em cartucho, totalmente narrado (Joe Montana Sports Talk Football II). O próprio piloto gravou as mensagens em seus estúdios. Inclusive, ele se recusou a falar sobre o autódromo de Barcelona, que entraria no circuito mundial somente em 1991, porque nunca havia corrido nele. Só após a corrida, que aconteceria algumas semanas depois, que ele mandou uma fita – no mesmo dia da vitória – para os desenvolvedores.
Ayrton Senna’s Super Monaco GP II acabou não sendo lançado na data inicialmente prevista: abril de 1992, durante o GP do Brasil. O jogo só chegou às lojas em agosto. Apesar das melhorias da jogabilidade e da inclusão de fotos digitalizadas do piloto em alta qualidade para os padrões da época, a continuação do clássico acabou não representando um salto de qualidade tão grande quanto o esperado. Ainda assim, foi o cartucho de corrida mais divertido do sistema. E sucesso absoluto por aqui, onde figurou, pelos dois anos seguintes, no Top 10 de jogos mais vendidos.
Apesar de todos os problemas com a pirataria e a importação não-autorizada de jogos e acessórios, que não existiam com o Master System, a Tec Toy mostrava a que veio e fez do Mega Drive seu console de escolha.
A febre dos videogames
Em 1991, a mania dos videogames chegou a um nível tão alto que foi capa da revista Veja e matéria do Globo Repórter, por exemplo. E, claro, nada era mais desejado, naqueles tempos, que o novo console de 16 bits da SEGA.
O famoso programa que afirmou que o Sonic era um gato
Revista Veja sobre a febre dos videogames
No final desse ano, atingia a respeitável marca de 1 milhão de consoles vendidos no Brasil. Embora ridículo para os padrões atuais, era um número que nenhuma outra empresa havia atingido até aquele data no mercado de videogames nacional. A própria SEGA levou mais tempo para vender 1 milhão de aparelhos no Japão, por exemplo.
O fenômeno Mega Drive se intensificaria mais e mais com o tempo. O console ganharia acessórios exclusivos como o Meganet, jogos nacionais como Férias Frustradas do Pica-Pau e Show do Milhão, e nunca sairia, durante toda a sua geração, da 1ª colocação na sua categoria.
Lançamentos ocorriam em simultâneo com os EUA e, por vezes, até antes. Alguns jogos chegaram a sair apenas por aqui (Nightmare Circus é um deles).
A Tec Toy havia criado um mercado tão grande que as suas duas grandes rivais (Gradiente e Estrela) precisaram se unir à Nintendo em 1993 para conseguir competir com ela. E, mesmo assim, não obtiveram o mesmo sucesso.
Porém, isso foi antes da invasão dos CDs piratas de PS1 e da maxidesvalorização do real, ocorrida em 1998. Fatos que levaram a Tec Toy a pedir concordata (1997) e a indústria nacional a praticamente desaparecer. Somente agora, em 2011, que a Microsoft e a Sony passaram a produzir seus consoles no país e começam, timidamente, a promover seus produtos no mercado nacional. No entanto, a seção de games das Lojas Americanas ainda não tem o mesmo brilho que tinha em 1992.
Bônus
Arquivo de revistas antigas (Ação Games, VideoGame, Supergame e várias outras) em PDF no Datacassete.com.br: www.datacassete.com.br/revistas.html
Postado originalmente em 2011 – Escrito por Rafael Malaman