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É DO BRASIL! – Os jogos de Mega Drive criados no país

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O Brasil pode se orgulhar por ter um dos melhores times de futebol do mundo, um estilo de vida vibrante ou por ser uma das quatro potências econômicas emergentes (ao lado de China, Rússia e Índia). Porém, ainda não dá para sentir a mesma coisa com relação à indústria nacional de games. Fora uma ou outra empresa pequena que cria, sem receber qualquer incentivo, jogos para os smartphones da vida, não sobra mais nada. Jogos nacionais para consoles caseiros (eu não estou contando o Zeebo, tá, gente?)? Isso ainda é sonhar demais (considerar os caça-níqueis lançados pela Ubisoft São Paulo para Wii e DS é forçar muito a barra)!

Porém, houve um tempo em que as prateleiras das lojas de games do Brasil estavam repletas de jogos com personagens bem conhecidos entre nós: a Turma da Mônicaa TV Colosso, o Castelo Rá-Tim-Bumo Sítio do Pica-Pau Amarelo, dentre outros. Tudo isso graças aos esforços da Tec Toy, que, naqueles dias, buscava ser mais do que uma simples distribuidora de jogos.

O início de tudo, no Master System

Tudo começou no distante ano de 1991 no Brasil. Apesar de o Mega Drive já ter sido lançado por essas bandas (a um preço similar ao do Playstation 3 nos dias de hoje, é importante frisar), o console mais popular nos lares brasileiros era o seu irmão mais velho, o Master System. O videogame de 8 bits da SEGA estava presente em praticamente todas as listas de presentes de Natal e aniversário e, por ser bem mais acessível (custava menos), era sucesso de público e renda. Porém, mesmo assim, alguns de seus melhores jogos ainda não tinham sido publicados por aqui. O motivo? A barreira do idioma.

Lembrem-se que, no começo dos anos 90, videogames ainda eram considerados brinquedos de criançapor essas bandas (e, considerando a visão limitada de certos órgãos da imprensa nacional, ainda são). E, fora um ou outro garoto privilegiado que podia pagar – caro – por um colégio bilíngue, a maior parte da molecada não manjava absolutamente nada de inglês (esse cenário, infelizmente, ainda não mudou). RPGs e títulos de aventura, que exigiam a leitura e compreensão de textos para o progresso no jogo eram, portanto, lançamentos de altíssimo risco.

Porém, a Tec Toy é brasileira e não desiste nunca. Qual a melhor saída para lançar o grande clássico Phantasy Star por aqui? Traduzir o jogo. E foi o que fizeram. Não pensem, porém, que havia toda uma infra-estrutura para tal na época. O trabalho não foi muito diferente daquilo que fazem os ROM Hackers dos dias de hoje. Ou seja, os programadores da empresa brasileira tiveram de encontrar um modo de incluir os textos em português no jogo sem ter acesso ao código fonte do mesmo. Desafiador, não?

brasilPhantasy Star, o primeiro jogo 100% traduzido

Em 1991, a aventura de Alis e companhia seria lançada por aqui. O público brasileiro estava tão pouco habituado com RPGs que mesmo a equipe de pilotos da Tec Toy levou 3 meses para finalizar o jogo (o que não é tão ridículo quanto aparenta caso tenham-no feito sem o acesso aos mapas e guias, pois aquele jogo era realmente cruel). Porém, isso não impediu Phantasy Star de ser um sucesso também por essas bandas. Foi o primeiro RPG que o autor desse texto jogou, por exemplo. Isso motivou a representante nacional da SEGA a seguir em frente.

brasilPropaganda de Phantasy Star (clique pra ampliar)

Naqueles tempos, os escritórios da Tec Toy estavam localizados na mesma rua que os Estúdios Maurício de Sousa. Funcionários de ambas as empresas almoçavam nos mesmos lugares, pegavam o mesmo ônibus e esbarravam-se com frequência pela vizinhança. Como ambas as companhias tiravam seu ganha-pão do público infantil, não demoraria para que surgissem ideias de parcerias.

brasilA Estrelinha Mágica

A primeira delas foi com um brinquedo, bastante popular naqueles tempos, chamado “Estrelinha Mágica”. Mais de 500 mil cópias foram vendidas no Natal daquele ano. Um número impressionante considerando as dimensões do mercado nacional. Afinal, eram tempos em que a inflação chegava a 30% ao mês e a maior parte da população não ganhava mais que o salário mínimo (bem menor que o atual).

O próximo passo? Criar um jogo protagonizado pela Turma da Mônica para o console mais vendido do país: o Master System. Porém, ninguém no país tinha conhecimento suficiente para desenvolver um cartucho a partir do zero naqueles dias. E os custos de licenças e kits de desenvolvimento eram pra lá de proibitivos. Qual a alternativa? Seguir o mesmo caminho que a Nintendo of America trilhou para lançar Super Mario Bros. 2pegar um jogo pronto e mudar os personagens.

  

Wonder Boy -> Mônica

Mônica no Castelo do Dragão (Tec Toy, 1991)

O melhor de tudo? Por conta do excesso de textos em inglês, o aclamado Wonder Boy in Monster Land ainda não tinha dado as caras por aqui. Ou seja, se a Tec Toy mudasse os personagem principal pela Mônica e traduzisse os textos, ninguém perceberia a traquinagem. Após consultar a SEGA, conseguiram autorização para seguir em frente com o projeto. E daí a bola seria passada para a equipe técnica, que teve todo o trabalho de encontrar os sprites necessários na ROM e alterá-los. O resultado não ficou lá muito bom, mas a maioria das crianças estava para lá de satisfeita.

 

Mônica no Castelo do Dragão seria o grande hit nacional de 1991. Disparado, foi o jogo mais vendido do ano. Nenhuma criança conseguiria ignorar essa massiva campanha de marketing que incluía comerciais de TV, histórias em quadrinho e muita exposição nos pontos de venda. Pra melhorar ainda mais o cenário, o jogo era realmente bom. Ou seja, era muito mais que um simples caça-níqueis.

Turma da Mônica em: O Resgate (Tec Toy, 1992)

Um trabalho ainda maior seria feito no ano seguinte, para o lançamento de Turma da Mônica em O ResgateWonder Boy III: The Dragon’s Trap seria o jogo convertido dessa vez. E o trabalho de localização e adaptação foi impressionante. Pois agora , todos os personagens da turminha foram colocados no jogo. E o resultado ficou bem mais profissional. Quem não conhecesse a versão original realmente pensaria que foi tudo obra da Tec Toy.

Como qualquer coisa tocada por Maurício de Sousa vira ouro (ele é, praticamente, o “Walt Disney brasileiro”), o novo jogo da Mônica foi um sucesso tão grande quanto o anterior.

Mas cadê o Mega Drive nessa história toda? Até agora, o artigo só falou do Master System. Sim, sim, mas é agora que o console de 16 bits da SEGA entra na história.

Os jogos brasileiros do Mega Drive

Adivinha quem foi o personagem escolhido para estrelar o primeiro jogo de Mega Drive em português? Ela mesmo, a Mônica. Em 1994, a Tec Toy, já experiente no ramo de alterar personagens num título pré-existente e vendê-lo como se fosse algo novo, hackearia Wonder Boy IV: Monster World III e o transformaria em Turma da Mônica na Terra dos Monstros.

Turma da Mônica na Terra dos Monstros (Tec Toy, 1994)

Em comparação com os títulos anteriores para o Master System, o novo jogo era um progresso e tanto. Contudo, o resto do catálogo do Mega Drive era bem mais interessante que o de seu irmão mais velho. Ou seja, o novo jogo da Mônica fez um sucesso razoável, mas não foi páreo para arrasa-quarteirões como Mortal Kombat II e Sonic 3 nas vendas. (Eu mesmo nunca encontrei o “Mônica de Mega” nas locadoras da minha cidade natal na época. E corri por quase todas elas!)

Phantasy Star II (Tec Toy, 1996)

Em 1996, a Tec Toy decidiu que era hora de traduzir um dos jogos mais infernalmente difíceis do Mega Drive: Phantasy Star II. E assim o fez. E, apesar de já ter 7 anos de idade, o cartucho conseguiu vender bem. Não sem ter deixado o piloto responsável pelo detonado na revista SuperGamePower de cabelos em pé. Afinal, até mesmo para eles, PS II era complicadinho. O próprio texto afirmava que levaram 2 longos meses para conseguir finalizar o jogo.

Outras traduções se seguiriam: Phantasy Star III, cuja tradução transformava tiaras em “galões” (os personagens do jogo viraram baianas do Recôncavo de repente), e Shinning in the Darkness. Infelizmente, o Mega Drive já estava morto antes que pensassem em verter Phantasy Star IV para o nosso idioma. Sorte que, hoje em dia, já existe uma tradução de altíssima qualidade feita por fãs desse mesmo jogo. Recomendadíssima para quem não confia muito no próprio inglês.

As Férias (Realmente) Frustradas de Pica-Pau

Traduzir jogos e mudar personagens de títulos já existentes era legal, mas a Tec Toy buscava um desafio ainda maior. Em 1996, deram cabo ao maior projeto de toda a sua história: criar um jogo a partir do zero. E, para isso, contrataram toda uma equipe de desenvolvimento e foram atrás das licenças da SEGA e dos estúdios da Universal. Coisa de profissional.

A decisão de usar o Pica-Pau (Woody Woodpecker) foi tomada após a realização de uma pesquisa de mercado com crianças de 6 a 12 anos sobre qual personagem elas queriam ver em um jogo de videogame. Como o desenho animado sempre foi sucesso absoluto no SBT (sim, naquela época, ele passava no canal de Sílvio Santos), era uma alternativa natural. Entretanto, o personagem não gozava de tal popularidade nos EUA. Por conta disso, nunca houve um jogo oficial do Pica-Pau nas gerações dos 8 e 16 bits.

O gênero escolhido foi o de plataforma, comum a todos os títulos baseados em ícones do público infantil. Todos os personagens clássicos da série foram incluídos: Zeca UrubuLeôncioAndy PandaMeany Ranheta – ninguém ficou de fora. Porém, a falta de experiência do time da Tec Toy acabou pesando.

Férias Frustradas do Pica-Pau não ficou muito bom. Parecia-se mais com jogos fracos de Master System do que com os clássicos de Mega Drive. Por isso, não foi sequer páreo para os outros – raros – lançamentos de 1996. Se até mesmo a Sega of America teve dificuldade para produzir um output de respeito, não dava para esperar um feito tão heróico assim por parte da Tec Toy logo em seu primeiro jogo.

Vídeo de Férias Frustradas do Pica-Pau

Porém, isto acabou custando o lançamento internacional do cartucho. Por não estar dentro dos padrões exigidos pela SEGA, Pica-Pau teve suas versões americana e europeia canceladas. Acabou saindo só no Brasil.

Isso não desmotivaria a Tec Toy, que continuaria a criar seus próprios jogos nos anos que se seguiriam. O Master System ganharia versões de Pica-Pau e títulos exclusivos como Sítio do Pica-Pau Amarelo e Castelo Rá-Tim-Bum, além do malfadado 20-em-1, que conseguia ser pior que o infame Action 52.

De Duke Nukem a Yusuke Urameshi

Duke Nukem 3D (Tec Toy, 1998)

O próximo passo seria ainda mais ambicioso: verter o sucesso de PCs Duke Nukem 3D para o Mega Drive. Sim, você leu direito: um port de um jogo que mal rodava nos PCs da época para um console de 16 bits com quase 10 anos de idade.

Baseado no 2º episódio do jogo originalDuke Nukem 3D alcançou um resultado bem satisfatório considerando o hardware do Mega Drive. Utilizando a mesma engine de Zero Tolerance, a versão da Tec Toy contava com gráficos e jogabilidade bastante aceitáveis. Porém, obviamente, não dava nem pra pensar em competir com a versão de computadores.

Duke Nukem 3D do Mega Drive em ação

Em 1999, o mundo inteiro aguardava, ansioso, o lançamento do poderoso Dreamcast. Com um poder gráfico nunca antes visto, o último console da SEGA cativaria a grande maioria dos fanáticos por videogames. A Tec Toy, no entanto, preferia investir no Mega Drive.

No final da década de 90, a sessão de animes exibida no final das tardes pela extinta Rede Manchete era uma das atrações mais esperadas pela molecada. Séries como Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya), ShuratoYuyu Hakusho e Super Campeões (Captain Tsubasa J) gozavam de grande popularidade. Nunca as animações japonesas foram tão assistidas aqui no Brasil como naqueles anos.

A Tec Toy se aproveitou desse sucesso e deu um passo inesperado: lançar um jogo que saíra apenas no Japão em português. Com isso, YuYu Hakusho Makyou Toitsusen se transformaria em YuYu Hakusho Sunset Fighters por aqui. O jogo, em si, é excelente: uma das melhores alternativas para se jogar em grupo dentre todos os títulos do console. O mesmo não pode ser dito da tradução.

Yu Yu Hakusho: Sunset Fighters (Tec Toy, 1999)

cânone nacional da série foi paulatinamente ignorado e o que se viu foi uma transcrição excessivamente literal e defeituosa do idioma original. Porém, já era alguma coisa. Afinal, foi a única vez na história que a tradução de um jogo foi feita diretamente do japonês para o português. Ponto para a Tec Toy.

Parabéns, você acaba de ganhar um milhão de reais!

O ano 2000 finalmente chegou e o mundo não tinha acabado, a despeito das profecias de Nostradamus. A mente dos gamers estava tomada por outra expectativa, porém: saber como seria o Playstation 2, o console mais aguardado do ano. A Tec Toy, contudo, não estava nem aí para a modernidade: o negócio dela continuava sendo o Mega Drive.

Dessa vez, o parceiro não seria Maurício de Sousa, os estúdios da Universal, a TV Globo ou a Capcom(o Master System ganhou um port razoável de Street Fighter II nas mãos da empresa brasileira em 1997). E, sim, o apresentador Sílvio Santos.

Aproveitando o sucesso internacional de Who Wants to be a Millionarie, o dono do SBT resolveu criar uma versão nacional desse gameshow de perguntas e respostas em 1999 com o nome  de “Jogo do Milhão”. Anúncios misteriosos dizendo que “os 22 dias estão chegando” invadiram a grade de programação, causando grande expectativa no público.

 Os 22 dias estão chegando

E o sucesso da nova atração foi imediato. Poucas vezes em sua história, o canal paulista havia conseguido índices tão altos de audiência. A Globo estava desesperada. Todos assistiam diariamente ao programa, agora conhecido como Show do Milhão. Nas ruas, o povão só falava sobre ele. A onda de comentários era parecida com a que seria vista, nos anos seguintes, antes dos “paredões” do Big Brother.

Parabéns, você acaba de ganhar 1 milhão de reais!

Sílvio Santos, que nunca foi bobo, resolveu capitalizar em cima do programa. Um jogo de PC baseado na atração foi lançado ainda em 1999 e vendeu mais de 100 mil unidades. Outras 5 continuações, com novas perguntas, se seguiriam. Nada era mais popular.

Show do Milhão para Mega Drive

Como o público-alvo do Mega Drive em 2000 era o mesmo do SBT (classes C e D), não tardaria para que Tec Toy e SBT se unissem para lançar uma versão do mesmo jogo para o console. Uma versão capadíssima do videogame (sem a entrada para SEGA CD e o suporte para 32X e o jogo Virtua Racing), o Super Mega Drive III, seria vendida num pacote com o cartucho do Show do Milhão.

Super Mega Drive 3 com Show do Milhão

O jogo cumpria com o esperado. Seguia todas as regras do programa e contava, até, com a voz digitalizada de Sílvio Santos. Pela primeira – e última – vez, ouvia-se alguém falando em português em um cartucho de Mega Drive. O resultado foi tão satisfatório que, no ano seguinte, um Volume 2 seria lançado com 1000 novas perguntas.

Show do Milhão – Volume 2, o último jogo lançado em cartucho para Mega Drive

Esse, contudo, seria o último respiro do console clássico como o conhecemos na década de 90. Nos anos seguintes, a Tec Toy se focaria em concorrer com os DynavisionsPolystations e outros consoles baratos de camelô e incluiria vários jogos de qualidade amadora na memória do pobre videogame. Títulos como Pedreiro PolarBil Bolha e Força Alienígena não eram muito mais avançados que os jogos de Atari 2600 e serviriam, apenas, para fazer volume.

Os últimos cartuchos de Mega Drive seriam fabricados entre 2000 e 2001. Terminava assim, de forma melancólica, a trajetória do videogame que se tornaria o mais vendido da história do Brasil.

Veja A decadência da Tec Toy

Mega Drive 3, conhecido no meio retrogamer como “Sanduicheira”

Tec Toy, ainda hoje, produz jogos para o aparelho que emula, mal e porcamente, o Mega Drive. O mais recente deles foi o Guitar Idol. Porém, ele roda num hardware bem diferente do console original, o que foge, portanto, do escopo desse artigo.

Artigo originalmente publicado em 2011 e feito por Rafael Malaman.

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