O futuro com o SEGA CD.
Houve um tempo em que o CD parecia ser um objeto vindo do futuro. Gerações de pessoas acostumadas com os discos de vinil (bolachões) e as fitas cassete deslumbravam-se com essa nova mídia, que parecia ter saído direto de um episódio de Jornada nas Estrelas (Star Trek).
Apenas os mais endinheirados tinham aparelhos capazes de tocá-los em casa (os CD Players) e exibiam-nos, com orgulho, para os meros mortais. Quem não possuía US$ 2 mil ou mais para investir num equipamento desses podia apenas sonhar com essa maravilha tecnológica.
E esses pequenos discos não substituiriam apenas os LPs nas casas das pessoas. Eles também viriam para aposentar os disquetes de computador e os cartuchos de videogame. Com 650 Megabytes de capacidade, os CD-ROMs armazenavam mais dados que qualquer HD disponível no mercado no final dos anos 80. Era possível colocar todo o texto da Enciclopédia Britânica neles e ainda sobrava espaço!
Eles eram tudo que a SEGA precisava para consolidar sua liderança no mercado mundial de videogames. Afinal, quem não ficaria embasbacado com jogos de Mega Drive capazes de executar vídeos e músicas cantadas?
Do aparelho de som ao console de videogame
Os primeiros CDs foram comercializados em 1982 nos Estados Unidos e no Japão. Concebidos por intermédio de uma parceria entre as gigantes Philips e Sony, eles não demorariam a ganhar espaço nos lares dos audiófilos e dos entusiastas por tecnologia.
No início, todos os discos ainda eram analógicos. A era digital só começou em 1985, com o estabelecimento do padrão CD-ROM (“Yellow Book”). Numa época em que os maiores HDs disponíveis no mercado tinham 50 MB de capacidade e custavam mais de US$ 2 mil, nada podia ser mais espantoso do que um simples disco capaz de guardar 13 vezes mais dados.
A indústria de games, que crescia a passos largos no Japão em meados dos anos 80, não tardaria em adotar esse novo padrão. A pioneira foi a NEC, gigantesca multinacional japonesa, que introduziria o seu revolucionário console PC Engine em 1987. Desenvolvido em parceria com a Hudson Soft (os criadores de Bomberman), o aparelho possuía um avançado processador gráfico de 16 bits capaz de colocar qualquer coisa feita para o NES no chinelo. A qualidade de seus jogos era similar àquilo que se via nas casas de fliperama da época. Como se isso não fosse suficiente, um drive de CD para o videogame já estava numa fase avançada de desenvolvimento. Isso era uma coisa que nem mesmo os computadores da NASA tinham naquela época.
Lançado em 4 de dezembro de 1988, o PC Engine CD-ROM² se tornaria o primeiro acessório capaz de rodar CDs de jogos. O seu preço, ¥ 57.800 (US$ 466), era assombroso. Pouquíssimas unidades foram vendidas no primeiro ano, mas a NEC, com essa iniciativa, conseguia o que queria: mostrar poder de fogo e assustar as suas duas concorrentes.
A Nintendo, então líder absoluta de mercado, correu atrás da Sony nesse mesmo ano e começou a planejar um revolucionário console, capaz de rodar tanto cartuchos do seu futuro console de 16 bits (o Super Famicom) quanto CDs (os SuperDiscs). O nome desse projeto? Play Station.
Já a SEGA aguardaria mais alguns anos tempo para entrar nesse competitivo mercado. Era preciso saber, primeiro, como a NEC se sairia nessa empreitada.
MEGA CD: das pranchetas para as lojas
Desde o começo, a SEGA já planejava criar acessórios que expandissem a capacidade do Mega Drive. Antes mesmo do lançamento do console, em dezembro de 1988, eles já divulgavam planos de comercializar um drive de disquetes para ele.
Essa ideia pode parecer um pouco estranha atualmente, mas já havia sido testada, com relativo sucesso, pela Nintendo nos anos anteriores. O Famicom Disk System, periférico lançado apenas no Japão para a versão local do NES, vendia que nem água. Zelda, Metroid e Castlevania, por exemplo, nasceram nele.
No entanto, os problemas enfrentados pela sua rival com o aparelho fariam com que a SEGA desistisse de lançar o Mega DD. O drive se desgastava com muita facilidade e isso gerava um custo alto para as assistências técnicas da Nintendo. Além disso, duplicar disquetes era uma missão bem simples para os pirateiros. Uma avalanche de cópias falsificadas dos jogos tomou conta do Japão. A coisa era quase tão generalizada quanto o que aconteceria aqui no Brasil com os CDs de Playstation na década seguinte.
Enquanto isso, a NEC começava a colher os frutos de sua ousadia. Tengai Maikyo, lançado em 1989, foi o primeiro RPG da história a conter diálogos falados, vídeos e animações. Foi sucesso absoluto. Ys Book (1 & 2), Darius Plus e o lendário Castlevania Dracula X: Rondo of Blood ajudaram ainda mais na venda do PC Engine CD-ROM². Em meados de 1990, o acessório atingiria a respeitável marca de 250 mil unidades vendidas. Um verdadeiro feito dado o seu preço consideravelmente alto.
Porém, foi a ameaça da Nintendo que fez a SEGA se mexer. O Super Famicom (SNES japonês) seria lançado no final de 1990 no Japão. E seu hardware, à primeira vista, parecia ser bem mais poderoso que o do Mega Drive. Efeitos gráficos como a escala e rotação de sprites, um chip de som de altíssima qualidade, o Mode 7: se nada fosse feito, a liderança que o Genesis tinha alcançado no mercado americano poderia se esvair num passe de mágica.
Na Tokyo Toy Show de 1991, dois fatos surpreenderiam todos os visitantes da feira: o anúncio do MEGA CD feito pela SEGA e o fim do acordo entre a Nintendo e a Sony (e, por consequência, do projeto Play Station). A empresa responsável por clássicos como Mario e Zelda não admitiria que toda a grana do licenciamento dos jogos em CD ficasse com a gigante multinacional de eletrônicos, como previsto no contrato assinado em 1988 sem o conhecimento do presidente Hiroshi Yamauchi.
A SEGA, por outro lado, pegou de surpresa até mesmo os responsáveis pela sua filial americana. Até o momento em que a notícia foi divulgada, nem mesmo os diretores da empresa nos EUA sabiam que o MEGA CD estava em desenvolvimento. O projeto rolou com tamanha confidencialidade que até as equipes que criariam os primeiros jogos no Japão não tinham ideia do aparelho para o qual estavam programando.
E essa falha de comunicação acabou resultando em dois problemas:
1) Os desenvolvedores ocidentais só conseguiram os kits de desenvolvimento para o MEGA CD | SEGA CD após esse anúncio. Como o projeto de um jogo levava, em média, de 18 a 24 meses para ser concluído, isso faria com que os primeiros compradores praticamente não tivessem títulos para escolher no período posterior ao lançamento;
2) A SEGA of America não fazia a menor ideia das reais potencialidades do periférico. Muitos acreditavam que se tratava de um aparelho da próxima geração, com qualidades gráficas e sonoras bem superiores às do Mega Drive. O hype criado nos EUA foi tão grande que os japoneses tiveram de se esforçar para convencer os americanos que o CD seria apenas um add-on e não um console totalmente novo.
No dia 1 de dezembro de 1991, o MEGA CD foi lançado no Japão por ¥49.800 (US$ 389). O acessório acrescentaria ao Mega Drive um novo processador Motorola 68000 rodando a 12,5 Mhz, 4 Megabits de RAM, 8 canais de som e um chip gráfico extra capaz de fazer os mesmos efeitos de escala e rotação que o SNES. No entanto, poucos desenvolvedores fariam proveito dessas adições. Os dois primeiros jogos disponíveis – Sol Feace e Heavy Nova – só se diferenciavam de suas versões cartucho por conta de suas trilhas sonoras. E esse, infelizmente, seria um estigma que acompanharia o periférico até o fim dos seus dias.
De MEGA CD a SEGA CD: a tecnologia chega às Américas
O ano inicial do MEGA CD no Japão foi marcado por uma presença bastante tímida no mercado. O único jogo que realmente empolgou o público em 1992 foi Lunar: The Silver Star, que vendeu toda a sua tiragem de 100 mil unidades. Os outros lançamentos eram raros e espaçados: o periférico só não pegava poeira porque ficava embaixo do Mega Drive.
A SEGA of America, agora consciente das limitações de seu novo produto, faria o possível para tentar emplacá-lo nos EUA. Na Summer CES de 1992, eles enfatizaram o potencial do aparelho em reproduzir vídeo e música interativos. Apesar das severas limitações representadas pelo fato de o Mega Drive ser capaz de exibir apenas 64 cores na tela ao mesmo tempo, os filmes granulados empolgaram um público ansioso por novidades.
Um gigantesco investimento foi feito na produção dos filmes que seriam base dos jogos FMV (Full Motion Video). A SEGA, além de contar com um estúdio próprio, firmou parceria com a Digital Pictures. Essa empresa, responsável por Sewer Shark e Night Trap, estava com esses títulos engavetados desde 1987, quando fracassaram as negociações tanto com a Hasbro quanto com a Nintendo/Sony.
Na feira, a maior parte das pessoas se empolgou com a possibilidade de interagir com os vídeos. Como o tempo de contato de cada pessoa com os jogos em FMV era curto, a impressão que eles deixavam era bem forte. O novo aparelho, agora denominado SEGA CD, teve data de lançamento marcada para o final de 1992.
A histeria coletiva se intensificou com o anúncio de Sonic CD. Se o jogo do ouriço azul já havia surpreendido o mundo dos games em 1991 como um mero cartucho de 4 Megabits, o que resultaria de uma versão em um disco com quase 1000 vezes mais capacidade de armazenamento?
A SEGA também estava de olho no mundo da música. No início dos anos 90, a MTV viva o auge de seu sucesso. Praticamente todas as bandas e artistas de renome lançavam videoclipes para promover seus novos álbuns. E a ideia de torná-los interativos era sedutora. Nomes como Red Hot Chilli Peppers, REM e Prince foram considerados inicialmente. No entanto, as somas vultuosas pedidas por esses artistas tornariam o caminho um pouco mais tortuoso. Nada, no entanto, que abalasse os executivos da SEGA of America, confiantes no sucesso de sua nova empreitada.
Em 15 de agosto de 1992, o SEGA CD finalmente chegaria às lojas americanas. Por US$ 300, o consumidor levaria o periférico e mais 4 discos:
- Sol Feace
- SEGA Arcade Classics 4 in 1 (Golden Axe, The Revenge of Shinobi, Columns e Streets of Rage)
- Sherlock Holmes Consulting Detective – Volume 1
- Um CD+G
O furor causado pela equipe de marketing foi tão grande que todas as unidades se esgotaram rapidamente nas lojas americanas. Os jogos em vídeo (FMV), a tendência do momento, também tiveram vendas consideráveis num primeiro momento.
No entanto, a animação passaria logo. Apesar dos esforços da SEGA, o consumidor sentia que havia pagado caro por algo que não era tão bom quanto ele imaginava a princípio. A maioria dos títulos em CD não passavam de conversões dos cartuchos com a adição de músicas, vídeos ou, no máximo, uma ou duas fases extras.
A moda dos jogos em vídeo passou tão rápido quanto começou. Em pouco tempo, eles se tornavam entediantes e repetitivos. O jogador tinha escolhas bem limitadas e era obrigado a ver as mesmas cenas, continuamente.
Alguns jogos foram gratas surpresas: a série Lunar, Batman Returns, Sonic CD, Formula 1: Beyond the Limits, Snatcher, Sylpheed, todos esses valiam cada centavo pago. No entanto, para cada clássico, havia centenas de coisas horrendas como a série Make My Video. Das promessas iniciais de contar com o REM ou os Chili Peppers, os proprietários do SEGA CD tiveram de se contentar com meros desconhecidos como INXS ou Kris Kross.
O aparelho receberia uma remodelação ainda em 1993, para combinar com o design do Genesis 2 (Mega Drive III no Brasil). E seria essa versão que a Tec Toy lançaria por essas terras nesse mesmo ano. Por R$ 600 (isso equivalia a SEIS salários mínimos na época), no entanto, as vendas foram pouco significativas.
Em artigos futuros, entraremos em maiores detalhes sobre os altos e baixos da vida desse amado (e odiado) periférico até a sua descontinuação em 1995.